Os Mycena lucentipes são uma das seis novas espécies de cogumelos bioluminescentes que se podem encontrar na Mata Atlântica do Brasil. Fotografia de Henrique Domingos, Ipbio.
Uma indústria emergente de ecoturismo espera despertar interesse na menos conhecida Mata Atlântica – um ponto quente de biodiversidade que poderá estar mais ameaçado do que a Amazónia.
Texto: Kathleen Rellihan
A menos de três horas de carro da cidade de São Paulo, encontra-se uma das florestas húmidas mais ameaçadas do mundo – e não é a Amazónia.
Abraçando a costa sudeste do Brasil, a Mata Atlântica é um dos oito mais escaldantes hotspots da biodiversidade, albergando flora e fauna que não se encontram em nenhuma outra parte da Terra. No entanto, mais de 80 por cento da cobertura arbórea deste sítio designado Património Mundial da UNESCO perdeu-se devido às alterações climáticas e outras actividades humanas como a agricultura e a urbanização, enquanto a Amazónia perdeu 19 por cento. Hoje resta apenas sete por cento da Mata Atlântica.
Um dos biomas com maior biodiversidade do mundo, a Mata Atlântica do Brasil permite aos viajantes observar de perto espécies raras de flora e fauna. Fotografia de Alex Saberi, Nat Geo Image Collection.
Contudo, novos estudos revelaram que a floresta oferece uma oportunidade única para o restauro da paisagem, o que pode contribuir para a protecção de espécies ameaçadas e valiosos recursos aquáticos. Além disso, restaurar a floresta tornaria a área – bem como o planeta em geral – mais resiliente às alterações climáticas.
O emergente ecoturismo está a dar a conhecer as diversas maravilhas naturais da floresta, incluindo cogumelos bioluminescentes e centenas de grutas. Estes esforços estão também a impulsionar a economia rural do país e a melhorar a qualidade de vida de mais de 145 milhões de brasileiros, incluindo comunidades indígenas cujo lar é este bioma. Saiba como desfrutar dos resquícios desta floresta ancestral.
Cogumelos brilhantes
A Mata Atlântica ocupou, em tempos, cerca de 130 milhões de hectares no Brasil, no Paraguai, na Argentina e no Uruguai. Actualmente, existem sobretudo fragmentos dispersos no Brasil, mas os viajantes podem encontrar uma biodiversidade que rivaliza com a da Amazónia no Vale da Ribeira, a maior zona intacta da floresta. Um dos destaques desta zona luxuriante é a maior concentração de cogumelos luminosos do mundo.
Cassius Stevani, professor associado da Universidade de São Paulo, guia grupos de visitantes em caçadas nocturnas em buscas de fungos néon na Reserva Betary IPBio, uma parcela de 60 hectares de floresta húmida dedicada à conservação, à investigação e ao turismo sustentável.
Os Mycena lucentipes parecem normais durante o dia, mas emitem um brilho verde néon à noite. Estes cogumelos florescem na humidade dos troncos das árvores e ramos caídos que revestem o solo da floresta. Fotografia de David Liittschwager, Nat Geo Image Collection.
O principal objectivo destas caminhadas, realizadas todos os meses excepto Agosto e Setembro, é dar a conhecer a investigação realizada na IPBio. Por sua vez, as visitas guiadas e o museu da bioluminescência, cuja abertura está prevista para breve, contribuem para o financiamento de estudos e acções de conservação na reserva.
Das cerca de 100 espécies de cogumelos bioluminescentes identificadas em todo o mundo, 27 foram encontradas na reserva. “Embora existam fungos bioluminescentes em vários locais do mundo, o Vale da Ribeira é o único onde conseguimos encontrar tamanha diversidade de diferença de espécies numa área relativamente pequena”, diz Stevani, o cientista responsável pelo aumento da atenção dada à bioluminescência dos fungos nas últimas décadas. “Além disso, sabemos especificamente quando e onde encontrá-los”.
Estes minúsculos fungos estão entre as 27 espécies que se podem encontrar na Mata Atlântica; existem 100 espécies de cogumelos bioluminescentes em todo o mundo. Fotografia de David Liittschwager, Nat Geo Image Collection.
Os cogumelos bioluminescentes são há muito um mistério, sendo os organismos que emitem luz fria visível menos estudados. As coisas mudaram em 2015, quando Stevani e uma equipa de investigadores da IPBio descobriram a razão por que brilham: para atrair insectos e aranhas que ajudem a disseminar os seus esporos pela floresta.
Stevani, cuja tese de doutoramento foi sobre o mecanismo de reacção quimioluminiscente utilizado por uns pauzinhos luminosos conhecidos como glow sticks, diz que o trabalho desenvolvido pela IPBio pode conduzir à descoberta de novas ferramentas para fins académicos e comerciais, como a capacidade de detectar toxinas no solo e modificar plantas através de engenharia genética para iluminar as nossas casas.
Caminhar numa floresta húmida às escuras pode ser uma aventura surpreendente para os viajantes, mas experiências como esta são também uma forma importante de preservar a floresta, que serve de lar a 72 por cento da população do Brasil. Este número inclui as comunidades que vivem em quilombos, povoados rurais fundados por africanos escravizados.
“Quando não tínhamos turistas, as pessoas recorriam à caça ou à extracção de palmito [o interior do caule da palmeira juçara] e isso é nocivo para o ambiente”, diz Marina Santos Cruz, guia turística de São Paulo que vive no bioma.
Cinco séculos de actividades intensas de exploração madeireira, agricultura e crescimento urbano em cidades como São Paulo degradaram uma das mais ricas áreas naturais do planeta, reduzindo-a a fragmentos. O crescente turismo sustentável proporciona uma alternativa económica no Vale da Ribeira, uma das áreas mais pobres e subdesenvolvidas de São Paulo, o estado mais rico do Brasil.
Turistas a bordo de caiaques exploram o Rio Juquiá, em Legado das Águas, a maior reserva privada da Mata Atlântica do Brasil. As iniciativas de ecoturismo estão a atrair viajantes aventureiros, que contribuem para a conservação da floresta. Fotografia de Josiah Holwick.
“O turismo desperta as pessoas para a importância de preservar a Mata Atlântica, a sua beleza e a riqueza dos seus organismos”, acrescenta Stevani. “Quanto mais pessoas ganharem consciência, mais forte será a luta em prol da preservação da floresta”.
O que deve saber
Como visitar: A cerca de 100 quilómetros de São Paulo, Legado das Águas é a maior reserva privada do Brasil e oferece alojamento no coração da Mata Atlântica. A oferta inclui passeios de caiaque e excursões para observação de aves guiadas por investigadores e passeios nocturnos em busca de esquivos pumas ou jaguares.
A Planeta Trilha e a Maioba Turismo organizam visitas a comunidades residentes em quilombos no Vale da Ribeira, onde pode aprender mais sobre a sua cultura e os esforços desenvolvidos para preservar as suas terras.
Mais formas de viajar: Vale da Ribeira tem mais de 350 grutas dispersas por dois parques estaduais. O Parque Estadual Turístico do Alto da Ribeira (PETAR), reconhecido pela UNESCO, tem uma das maiores concentrações de grutas do mundo e o Parque Estadual da Caverna do Diabo alberga uma das maiores grutas do estado, com quase sete quilómetros de comprimento. Apenas 12 grutas estão abertas ao público.
Franciele dos Santos Satiro, proprietária da empresa Caverna do Diabo Aventura, e os seus guias lideram aventuras de rapel na Caverna do Diabo. Com mais de 600 milhões de anos, as suas câmaras, evocativas de uma catedral, e espectaculares formações naturais encontram-se bem preservadas.
A Planeta Trilha, uma nova empresa criada em 2023 cujos guias foram formados por Cassius Stevani, apontam a presença de organismos bioluminescentes na floresta nas proximidades de Caverna de Santana, a gruta mais visitada do PETAR.