Fotografia de Filipe Patrocínio.
O passado geológico da serra da Estrela esculpiu na paisagem formas inverosímeis, autênticos postais que se perpetuam na memória de quem um dia as contempla.
Texto: Emanuel de Castro
Entre os muitos locais que nos prendem o olhar, destacam-se os Cântaros, saliências rochosas que se evidenciavam acima das neves perpétuas que há 30 mil anos cobriam a parte superior desta montanha, num exercício difícil de imaginar nos dias de hoje.
À medida que subimos a Estrela, a montanha agiganta-se diante de nós, o horizonte rasga-se e a imensidão da paisagem envolve-nos, como num abraço que nos prende a este lugar. Sentimos vontade de a subir, de contemplar o infinito e de pousar o olhar sobre a peculiaridade dos vales, covões, grandes blocos graníticos e outros elementos que fazem parte do imenso património geológico do Estrela Geopark, classificado pela UNESCO. Nesta vontade irrequieta de ir mais alto, decidimos percorrer o curto trajecto que nos leva da base do Cântaro Raso até ao topo. Antes de nos aventurarmos nesta subida, ainda temos tempo para contemplar a escultura em baixo-relevo da Senhora da Boa Estrela, padroeira dos pastores, esculpida na década de 1940 por António Duarte, a pedido do padre Morgadinho, numa homenagem aos pastores desta serra.
Deixando este fragmento da história humana para trás, vamos ascendendo ao topo deste Cântaro. Contornamos blocos graníticos, deixados pelos antigos glaciares, encontramos espécies únicas desta montanha, paramos para inspirar fundo e controlar a respiração e, num momento que guardamos na nossa memória, chegamos ao patamar rochoso, a 1.916 metros de altitude – o Cântaro Raso. Aqui, tudo é imponente e, numa vertigem de emoções, não paramos de contemplar a paisagem que nos rodeia, numa viagem pela história e pela geografia da montanha mais alta de Portugal continental.
Quedamo-nos a contemplar a paisagem e o silêncio, cortado pela brisa e pelo chilreio do melro-das-rochas que, com alguma sorte, se pode avistar por estas paragens.
Alcandorados sobre o horizonte, descortinamos o que a vista alcança. A nossos pés, a Nave de Santo António, o Covão da Ametade e o vale glaciário do Zêzere (que se abre até Manteigas) e o de Alforfa (que nos conduz a Unhais da Serra). Ainda há espaço, nesta tela, para observar, ao longe, as Penhas da Saúde, os Poios Brancos ou o Vale Suspenso da Candeeira. Numa incessante contemplação, vamos tentando absorver o que nos rodeia, numa tentativa fugaz de guardar no olhar este momento.
A subida ao Cântaro Raso é estar mais próximo da Estrela, sentir a verdadeira montanha e agarrar o horizonte, como uma criança que se prende a um brinquedo. Em poucos locais como este, nos sentimos esmagados pela força da natureza, reduzindo a nossa existência a um fragmento nesta imensa Estrela…