Uma mulher encosta um bastão à testa no equinócio de Outono em Stonehenge, no Reino Unido, onde uma multidão se junta para ver o Sol nascer. Fotografia de Alice Zoo, National Geographic.
O TikTok — mais especificamente o #witchtok — está a alimentar o interesse por este movimento espiritual. Saiba como participar em rituais da luz cheia, lançamentos de feitiços e muito mais.
Texto: Christine Macintyre
Há muitos séculos, os antigos celtas percorriam charnecas ventosas para adorar o chifrudo deus Cernunnos. Os antigos egípcios atravessavam desertos para invocar a protecção de Ísis. Os druidas deslocavam-se até clareiras na floresta para levar a cabo rituais sob a Lua. Ao longo do tempo, porém, tais divindades desvaneceram-se, transformando-se em mitos. Os rituais tornaram-se clandestinos.
Recentemente, uma ressurgência do interesse pelas práticas pagãs – cristais e cartas de tarot, astrologia e magia com ervas – tiraram o paganismo das margens, trazendo-o de volta para o centro da cultura pop ou, pelo menos, para o topo da sua página de TikTok.
Nos Estados Unidos da América um mínimo de 1,5 milhões de pessoas identificam-se como pagãs – comparadas com 134.000 em 2001. Variam desde Wiccans e Keméticos a Bruxas e Bárbaros (Heathens) do TikTok. (Veja a explicação destes grupos mais abaixo.)
“Existe, em geral um afastamento das religiões organizadas em direcção à espiritualidade”, diz Helen Berger, autora e socióloga de paganismo e bruxaria contemporâneos. Os movimentos de empoderamento feminino e dos direitos homossexuais, a crise climática e o desejo por uma religião mais positiva alimentaram o interesse da crescente comunidade espiritual, acrescenta.
Desde lançar feitiços em Salem, no Massachusetts, a participar em rituais da lua cheia em Asheville, na Carolina do Norte, ou transcender o plano metafísico em Sedona, no Arizona, saiba como mergulhar nas tradições culturais das comunidades pagãs.
O regresso à cultura popular
“É muito difícil resumir o que é o paganismo porque existe muita diversidade”, diz Sarah Pike, autora e professora de religião comparada na Chico State, Universidade do Estado da Califórnia. “Os pagãos vêem o mundo natural como sagrado. Celebram a interligação de todas as coisas, considerando a natureza, os seres humanos e os seres espirituais partes integrantes da rede da vida.”
O feiticeiro Brian Cain dirige-se a uma congregação do Witches’ Magic Circle, em Salem, no estado de Massachusetts, a 31 de Outubro de 2021. A cerimónia presta homenagem a amigos e familiares falecidos. Fotografia De Joseph Prezioso, AFP/Getty.
Historicamente, o termo pagão referia-se a qualquer pessoa que não acreditasse nos princípios judaico-cristãos, pertencendo frequentemente a culturas ancestrais da Grécia, de Roma, do Egipto, da Escandinávia e da Irlanda. “A maioria dos pagãos antigos não usavam o termo pagão, nem se consideravam parte de um grupo distinto”, diz Edward Watts, professor de história na Universidade da Califórnia, em San Diego.
Após séculos de perseguição, o paganismo tornou-se uma prática marginal. Na década de 1960, porém, tornou-se uma religião atraente para as pessoas que se rebelavam contra normas sociais restritivas. Na última década, a ascensão do TikTok— o #witchtok tem mais de 35 mil milhões de visualizações – e séries televisivas populares como “As Arrepiantes” “Aventuras de Sabrina”, “Vikings”, “Supernatural” e “American Horror Story: Coven” contribuíram para aumentar o interesse no movimento espiritual.
Onde experienciar a cultura pagã
Participar num evento ritual é uma forma de aprender mais sobre as práticas pagãs. O Samhain, celebrado na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, assinala o final da estação das colheitas e o início do Inverno. Em Salem, os pagãos comemoram a data com festivais, danças e passeios na natureza, prestando homenagem aos seus antepassados. Os visitantes podem participar no baile Official Salem Witches’ Halloween Ball, assistindo a danças cerimoniais, lançamentos de feitiços e outros rituais.
Dixie “Queen Lady Passion” Deerman, fundadora e alta sacerdotisa da congregação Coven Oldenwilde, em Asheville, diz que assistir aos rituais em primeira mão é transformador, pois os participantes sentem um estado de êxtase que cria uma sensação de unidade com os outros envolvidos. “A imersão no ritual é semelhante a flutuar numa água que apazigua a alma”, diz Deerman. “Qualquer pessoa pode sentir-se arrebatada num rito libertador que encoraja a paixão desenfreada.”
As pessoas podem visitar o templo Mother Grove Goddess Temple, junto à baixa de Asheville, e participar em rituais públicos durante os dias sagrados ancestrais (e no Dia da Terra) e cerimónias da lua cheia. Noutras datas pagãs importantes como o Yule (solstício de Inverno), Ostara (equinócio de Primavera), e Litha (solstício do Verão), a Witch House de Salem, a única estrutura sobrevivente da cidade com ligações directas aos julgamentos das bruxas de Salem em 1692, organiza demonstrações ao vivo e actividades didácticas sobre as tradições pagãs.
Roger Herson, feiticeiro praticante, diz que a New England Magic e a Pentagram, em Salem, são óptimos sítios para as pessoas começarem a explorar o paganismo porque são simultaneamente “uma loja e uma escola de bruxaria e magia”.
“Há muitas bruxas em Salem que ainda praticam e ensinam ‘magick’ de uma forma genuína, ao contrário daquelas que tem uma postura mais virada para o brilho e o glamour”, diz Herson.
Salem e Asheville não são as únicas vilas conhecidas pelos seus encontros pagãos. No sul da Califórnia, a Pacific Circle Revival organiza retiros comunitários onde os campistas podem desligar-se do dia-a-dia e ligar-se à Terra através de rituais espirituais e workshops educativos. Todos os anos em Julho, nas comemorações do solstício de Verão, o WitchsFest USA – um dos festivais pagãos com mais visibilidade nos Estados Unidos – atrai milhares de pessoas para as ruas de Manhattan, que participam em danças circulares, 60 workshops diferentes de “magick” e assistem a palestras de líderes pagãos globais.
As comunidades que apoiam os pagãos, repletas de consultórios de videntes, aulas de astrologia, curandeiros e lojas de artigos metafísicos, apelam às componentes físicas do paganismo. Em Sedona, porém, uma cidade conhecida pelos seus vórtices e espirais de energia, são as actividades espirituais que atraem milhares de turistas todos os anos até às Red Rocks.
“Os guias turísticos dizem que existem quatro vórtices específicos em torno da cidade — Airport Mesa, Cathedral Rock, Bell Rock e Boynton Canyon — mas o folclore local diz que toda a zona é um vórtice que amplia práticas espirituais como meditação, clarividência e ioga”, diz Susannah Crockford, antropóloga e escritora.
Para quem procura experiências transformadoras, o Sedonya Conscious Living Retreat permite aos hóspedes participar numa Cerimónia de Activação e Intenção da Lua Nova (New Moon Activation and Intention Ceremony) e no retiro do Ritual da Ascensão (Ritual to Rise), junto da natureza. A Green Witch Creations, uma ervanária em Sedona, organiza workshops sobre empoderamento espiritual, alinhamento de chacras e cura de aura. Também vende jóias para os chacras e varinhas de cristal e disponibiliza consultas de tarot e Reiki.
Deerman diz que as pessoas que sentem curiosidade pelo paganismo devem procurar experiências da cultura em primeira mão e estarem dispostas a aprender. “Os turistas vêm ter connosco para ver se aquilo que escrevemos nos nossos livros é mesmo verdade”, diz. “Conseguem ver que nós vivemos tal como escrevemos e que somos inspirados por isso.”
O que saber: termos pagãos
Termos pagãos que deve conhecer antes de ir.
Cernunnos — antiga divindade celta que supervisiona a natureza, a vida selvagem e a sexualidade.
Ísis — deusa mais poderosa da religião do antigo Egipto, supervisiona a cura e a magia.
Druida — praticante de druidismo, uma antiga religião pagã celta baseada na natureza que defende a protecção ambiental.
Wiccan — praticante (frequentemente denominado bruxa ou feiticeiro) de Wicca, uma das maiores religiões pagãs baseadas na natureza dos tempos modernos.
Pagão — seguidor de uma religião adoradora da natureza politeísta ou panteísta.
Kemético — seguidor das crenças da religião do antigo Egipto.
Bruxa do Tik Tok — influenciadora das redes sociais que partilha conhecimento sobre bruxaria, espiritualidade e magia.
Bárbaro (Heathen) — devoto dos deuses nórdicos que considera sagrados os Eddas e sagas (poemas orais registados no século XIII) da Islândia.
Bruxaria – prática religiosa que envolve magia e afinidade com a natureza, geralmente no contexto de uma tradição pagã.
#witchtok — secção de nicho do TikTok, uma aplicação de partilha de vídeos, que gira em torno da magia e da bruxaria.
Cerimónia da Lua cheia – evento ritual que decorre durante a Lua cheia para ajudar a libertar a negatividade e recarregar as baterias espirituais emocionais.
Christine MacIntyre é uma jornalista freelance do Michigan.