O Pelourinho, o bairro histórico de Salvador da Bahia, na Cidade Alta, fica na colina onde Portugal colocou a primeira pedra do Brasil actual.
O grito de um menino que vende fitas do Senhor do Bonfim quebra o burburinho dos turistas. Ao grito, sucede-se o som de um berimbau que alguém toca debaixo de uma árvore. Um homem de pele amarelada e vestido de branco chama a atenção dos transeuntes para o número de capoeira que começa naquele instante. Mulatos musculados começam então a dança-combate impulsionados por uma música com ecos da longínqua África. A poucos metros, outros turistas consomem refrescos e cerveja gelada abrigados na sombra de um terraço.
O império português fundou São Salvador da Bahia de Todos os Santos em 1549 e ali estabeleceu a capital brasileira, que em 1763 foi transferida para o Rio de Janeiro. Durante séculos, chegaram à cidade navios negreiros vindos do distante golfo da Guiné, inundando esta região, e posteriormente o país inteiro, de sangue negro e escravo. A mesma terra que em meados do século XX inspirou as melodias de Dorival Caymmi.
Estas são também as ruas que o escritor Jorge Amado povoou de malandros nostálgicos, prostitutas sem sono, marinheiros à deriva e outras personagens do submundo. A cidade é açoitada a leste pela ondulação forte do Atlântico e abençoada a oeste pela serenidade da baía de Todos os Santos. A urbe é acariciada durante todo o ano pelos ventos alísios que contaminam as suas falésias e baixios com o sal e o rumor de mares remotos.
Salvador não representa apenas uma viagem ao Brasil – é também uma ode à liberdade, a recordação das feridas abertas pela segregação racial que ainda não sararam no país. Esta cidade é feita de latinidade e negritude. Aliás, “se o Brasil é uma região caracterizada pela miscigenação, esta mistura racial alcança o seu paradoxismo na Bahia”, escreveu o crítico literário Basilio Losada Castro a 7 de Agosto de 2001, um dia depois de o coração de Jorge Amado ter parado de bater.
Pérola histórica do Brasil, as ruas íngremes e decadentes do Pelourinho, repletas de vestígios coloniais e barrocos, são uma explosão de sensações sob a luz do sol. Ao cair da noite, o crepúsculo desperta o mistério: um punhado de luzes que roubam as trevas à madrugada, a “canalha” que povoa de sombras cada esquina imprimindo-lhes um ar velho e melancólico, como o das fortalezas ultramarinas que viveram um tempo de esplendor, a glória do ouro, do café, do açúcar ou do pau-brasil e hoje resistem aos embates da natureza e às pulsões destrutivas do ser humano. Salvador da Bahia é ao mesmo tempo redentora e canibal de si própria.
O triângulo mágico composto pela Catedral de Salvador, a Igreja de São Francisco, conhecida como a basílica onde o barroco português encontra a sua máxima expressão no Brasil, e a Fundação-Casa Jorge Amado definem o centro nevrálgico da cidade. Nas suas ladeiras empedradas, concentram-se restaurantes com gastronomia de diferentes países, ateliers de artistas locais, como o do cativante Menelaw Sete, instalado numa velha casa onde expõe as suas telas que revelam uma clara influência de Picasso. Também existem escolas de capoeira, frequentadas por estrangeiros que viajam para a Bahia determinados a descobrir os segredos desta arte marcial.
A ilha Fernando de Noronha possui um dos raros bosques do arquipélago.
Ao descer a colina da Cidade Alta, surgem três perspectivas imprescindíveis. A norte, encontra-se a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, templo maior do catolicismo baiano. A sul, o mercado Modelo, de estilo colonial e composto por inúmeros estabelecimentos que vendem artesanato local e instrumentos de capoeira, e o bucólico Farol da Barra, situado num pequeno cabo de onde se divisa a praia da Barra e a sua branca balaustrada colonial, o epicentro do Carnaval baiano. Esta zona é também um lugar especial para degustar um dos pratos típicos da gastronomia local: o acarajé, um bolinho feito de massa de feijão-frade, cebola e sal, e frito em óleo de palma, servido com gambas e um denso molho de peixe conhecido por vatapá.
O cheiro característico do óleo de palma mistura-se com o cheiro a mar, enquanto mulheres vestidas com o traje tradicional preparam este famoso manjar à vista de todos.
A espiritualidade também faz parte da quinta-essência da Bahia. Salvador oferece uma longa lista de terreiros ou casas religiosas, onde se preserva a prática do sincretismo afro-brasileiro, principalmente a do candomblé.
Durante a colonização portuguesa, a submissão dos escravos a trabalhos forçados e ao cativeiro deu origem a uma nova fé furtiva que colocou no mesmo altar Cristo, Iemanjá, a divindade do mar com uma vaga semelhança com a Virgem, e Ogun, o senhor da guerra. Em Salvador, hoje mantêm-se activos mais de dois mil terreiros e muitos abrem as suas portas aos turistas que querem presenciar os rituais do candomblé, exóticos e misteriosos para os profanos.
A aventura pela linha de costa de Salvador rumo aos estados vizinhos do Norte representa uma experiência única. Flanqueadas por plantações de cana-de-açúcar e coqueiros, as estradas evocam um Brasil remoto e rural. O litoral é generoso em praias que competem pela primeira posição no top dos destinos preferidos pelos viajantes, como é o caso da praia do Forte. Uma boa ideia será fazer uma breve paragem na pouco conhecida localidade de Arembepe, 45 quilómetros a norte de Salvador da Bahia. Ali o viajante poderá usufruir de uma excelente moqueca, o prato típico da região à base de peixe e marisco, leite de coco e óleo de palma. Depois, é fundamental passear por uma longa praia semidesértica onde a organização Tamar protege um centro de reprodução de tartarugas marinhas. Quando a maré sobe, os recifes rochosos situados em frente da costa de Arembepe formam piscinas naturais de água morna e cristalina que reconfiguram a paisagem tropical e selvagem.
A rota continua em direcção a norte percorrendo os estados de Sergipe e Alagoas, banhados por águas de um intenso turquesa. Terra fértil e grata junto do mar, mas hostil e inóspita no seu sertão, o termo usado para denominar o interior desértico do Brasil. Nestas zonas rurais, o imaginário popular continua a manter viva a lenda de Virgulino Ferreira da Silva “Lampião” e da sua companheira de atribulações Maria Bonita, o temido duo de bandoleiros que no início do século XX se converteram no pesadelo dos terra-tenentes. Contam os registos da época que os amantes e a sua quadrilha de pistoleiros estavam obcecados com a ideia de despojar os caciques locais de riqueza para a entregarem aos desfavorecidos. Hoje, o espírito de Lampião continua presente no folclore e na literatura de cordel, um género popular escrito em verso e impresso em cadernos rústicos que se penduravam como se estivessem num estendal.
A memória dos foragidos leva inevitavelmente o visitante até ao estado de Pernambuco e à sua capital, Recife, também banhada pelas ondas do Atlântico desde a sua fundação no século XVI. A fotografia que melhor poderá definir esta cidade portuária é um aglomerado de arranha-céus que formam uma impressionante barreira arquitectónica na primeira linha da praia.
Os edifícios do bairro da Boa Viagem, onde se concentra a principal oferta hoteleira, dão a esta metrópole um certo ar futurista. Em Recife, o mar e a sua mística estão também omnipresentes. As praias contam-se entre as mais apetecíveis do Nordeste brasileiro, mas os registos de ataques de tubarões tornaram os banhos menos populares em várias zonas que exibem agora sinalizações de alerta.
O apelido de “Veneza brasileira” gozado pelo Recife deve-se ao conjunto de pontes que ligam os bairros construídos na confluência de vários rios. Não muito longe do centro, um parque tecnológico recente colocou a cidade na vanguarda do desenvolvimento brasileiro da última década, uma aposta financeira na inovação.
Merece a pena a escapadela a Olinda, a pouco mais de oito quilómetros do Recife. Esta cidade colonial é conhecida pela organização de um dos carnavais mais populares do Brasil e por possuir um centro histórico classificado como Património Mundial da UNESCO. Ao cair da noite em Olinda, soam os ecos distantes do frevo e do maracatu, cujos ritmos vibrantes inundam cada esquina do centro histórico imprimindo-lhe uma atmosfera anacrónica e romântica.
O Noroeste de Pernambuco faz fronteira com o estado do Ceará, cujo litoral está permanentemente exposto aos intensos ventos que chegam do oceano e que o convertem na meca brasileira do windsurf e do kitesurf. A temporada alta de ventos vai de Junho a Dezembro, mas no resto do ano continua a ser um destino ideal para os aficionados destes desportos.
Fortaleza, capital do Ceará, forma com Recife e Salvador da Bahia o triângulo das grandes metrópoles do Nordeste, as capitais que geram mais riqueza e que recebem mais turismo. Fortaleza tem ainda a vantagem de ser a cidade geograficamente mais próxima da Europa, separada por pouco mais de 5.500 quilómetros de Lisboa, o que converte o seu aeroporto numa das principais portas de entrada do turismo europeu no Brasil.
As praias que percorrem a costa do Ceará compõem um cenário de indiscutível beleza cénica, com as suas dunas e promontórios de terra argilosa. Nada no mundo se lhe compara.
Os desportistas e amantes da vida nocturna encontrarão o paraíso em Jericoacoara. Os viajantes que procuram a memória das comunidades hippies que em tempos povoaram este litoral poderão desfrutar a decadente tranquilidade de Canoa Quebrada. Esta localidade é hoje apreciada pela sua praia selvagem e pouco frequentada, e pelos passeios em jangadas, embarcações rudimentares à vela antigamente usadas para pescar.
Mergulho no Sul da ilha maior.
Quando avistou pela primeira vez a ilha de Fernando de Noronha, o cosmógrafo e navegador Américo Vespúcio disse que tinha descoberto o verdadeiro paraíso. Cinco séculos depois, quase se pode repetir a mesma frase. Embora economicamente não esteja ao alcance de todos, a visita a Fernando de Noronha deveria ser uma experiência obrigatória para quem pretende conhecer o Brasil. A forma mais rápida de chegar é através de um voo com origem no aeroporto do Recife que implica pouco mais de uma hora de viagem. Ao chegar ao destino, o visitante sentir-se-á exultante ao contemplar os promontórios, as águas cristalinas, os recifes de coral, ao respirar o ar fresco e puro, ao mergulhar livremente junto de tartarugas e raias, ao navegar escoltado por um grupo de golfinhos...
Na pequena Noronha, a melhor maneira de se deslocar, ao longo dos seus 17km2, será alugando um buggy. Estes veículos descapotáveis com espaço apenas para os ocupantes são perfeitos para circular pelas pistas de areia. Embora não existam aqui grandes cadeias de hotéis, a oferta de pousadas familiares é ampla e responde a um vasto leque de exigências.
Fica um aviso para os visitantes: ao contrário do passado recente, aqui não há nada barato. Meca do turismo ecológico, a ilha cobra um imposto diário a todos os visitantes. Tudo se justifica com o privilégio de usufruir de um dos ecossistemas marinhos mais mágicos e mais bem preservados do planeta.