Não há uma altura ideal para visitar a Albergaria. A mata metamorfoseia-se com as estações do ano e requer muitas visitas.
Texto e fotografias: Carlos Pontes
Ilustrações: Anyforms Design
Provavelmente, os romanos tiveram outrora a mesma sensação que tenho quando percorro esta mata. Há magia que emana de árvores com vários séculos e trilhos antigos. Deste bosque poderia surgir a cada recanto uma criatura do mundo das fábulas.
A grande riqueza do património natural e cultural, da fauna e flora existente neste biótipo conferiu-lhe em 1888 o estatuto de Mata Nacional do Gerês. Mais tarde, com a criação do Parque Nacional Peneda-Gerês em 1971, este ex-líbris do Norte do país foi incluído nas Reservas Biogenéticas do Continente Europeu e integrado na nova área protegida com o estatuto de área protecção total.
Símbolo do Parque Nacional, o corço está bem representado na Mata da Albergaria onde pode ser avistado com alguma regularidade.
Entre as Caldas do Gerês e a Portela do Homem, cada estação tem o seu encanto e traz com ela a sua magia. A caminhada pelos trilhos milenares é um convite à descoberta dos segredos dos nossos antepassados. Esta rede viária era importante para o Império Romano. Dos 318 quilómetros que constituíam a Via Nova, assim chamada tardiamente, já no século XVIII, o único troço totalmente preservado encontra-se aqui, na Mata Nacional da Albergaria.
Em silêncio total, pisa-se com respeito cada pedaço de pedra que ainda resiste desses tempos imemoriais. As cores e sons da paisagem divergem radicalmente consoante as estações do ano. O canto insistente das aves é um sinal de que o viajante se embrenha num dos carvalhais mais antigos, bonitos e bem preservados de Portugal.
Mesmo nos meses mais secos o verde predomina neste bosque.
De alguma maneira, a Mata da Albergaria testemunha também a sinuosa história da conservação da natureza em Portugal. Este foi o último reduto do urso-pardo no país, antes de recuar definitivamente para lá da fronteira e acantonar-se nas Astúrias distantes, onde a paisagem inclemente lhe ofereceu um último refúgio. Em tempos, porém, o grande carnívoro povoou estas matas.
Os marcos miliários bem preservados e a calçada ao longo do trilho constituem um lembrete civilizacional para a necessidade de proteger este local como marco da nossa própria identidade. A água joga aí um importante papel. A corrente forte do rio Homem nos meses mais frios testemunha a importância que a disponibilidade de água sempre teve para as actividades humanas e para moldar a geologia e botânica do local.
A beleza e a imponência dos carvalhos seculares que ladeiam estas encostas e cobrem a magia dos poços e lagoas da mata de palheiros é inconfundível. As suas silhuetas provam a resistência testada ao longo de centenas de anos e protegem uma pequena população de martas. Com sorte, o viajante dispõe aqui de uma das melhores oportunidades de avistar este raro carnívoro em Portugal.
Por cima da Portela do Homem, um grupo de cabras-montesas desafia a gravidade e exemplifica a sua magnífica adaptação ao território de montanha.
Na Mata da Albergaria, é sempre uma opção seguir o som da água. Forte e límpida enquanto corre pelo vale do Homem, precipita-se sobre cascatas deslumbrantes ou torneia ruínas de pontes romanas. Já me aconteceu seguir a água e deparar com o espectáculo natural de dois machos de cabra-montesa em combate e em pleno cio nas encostas viradas para a serra Amarela. Não se escutava qualquer outro som. Apenas o ruído seco de um confronto quase tão velho como a própria mata.
Com frequência, cai um leve nevoeiro sobre a floresta, esbranquiçando as cores vivas outonais de toda a área. As corujas-do-mato, alojadas em cavidades de imponentes carvalhos-alvarinhos, anunciam então a sua aparição. E inicia-se um novo ciclo de magia.
Pela noite dentro, os viajantes mais afoitos podem não os ver, mas são seguramente estudados pelos olhares discretos e silenciosos dos vigilantes destes trilhos. O maior predador da fauna portuguesa, o lobo-ibérico, ocupa este território, mantendo distâncias prudentes em relação ao homem, mas produzindo um discreto serviço de controlo das populações de herbívoros.
Enquanto naturalista, esta mata tem para mim grande encanto. Oferece os mistérios da arqueologia associados às maravilhas da natureza e deverá ser visitada com a responsabilidade que a sua história acarreta.