É um dos pontos da costa onde a terra parece terminar. A escassos 40 quilómetros de Lisboa, o cabo da Roca é um lugar mágico.
Texto: Mário Rio
A aproximação pode ser feita por sul, vindo por Cascais e Malveira da Serra, pelo lado norte, passando por Colares, ou ainda através da serra de Sintra e passando na Peninha. Vale a pena parar e subir a pé ao santuário para, do alto dos 488 metros, compreender melhor a situação geográfica do cabo. Em dias límpidos, avista-se para Cascais e ao fundo a Arrábida e o cabo Espichel; para Leste, ergue-se Lisboa e o estuário do Tejo; para norte, avista-se a Ericeira e, em dias excepcionais, as Berlengas; e para ocidente a serra que se rende ao mar no derradeiro promontório encimado pelo farol da Roca, um dos mais antigos do país, mandado construir pelo marquês de Pombal. O cabo é um local de peregrinação de turistas dos quatro cantos do planeta, talvez por ser o ponto mais ocidental do continente europeu. No miradouro, 140 metros acima das águas do mar, uma placa de pedra reproduz de forma livre os versos que Camões dedicou no Canto III dos Lusíadas a este lugar “onde a terra acaba e o mar começa”. Quem não tem tempo, capacidade ou energia para se aventurar nos trilhos que a partir daqui se podem fazer a pé será mesmo assim recompensado pela experiência quase mística de contemplação de um oceano que parece infinito.
Mesmo para um leigo em geologia, da extremidade mais ocidental do cabo percebe-se a enorme diversidade dos granitos rosados e dos calcários brancos e cinzentos da praia da Ursa para norte. Estas diferenças produzem paisagens muito distintas, não apenas pela coloração, mas pela forma como as diferentes rochas reagem à erosão. Também não indiferente à geologia é a flora da região que, durante a floração das urzes, tojos e estevas, oferece uma mancha de cor e um perfume inebriantes. A jóia desta coroa é no entanto o endémico cravo-romano cuja exuberante flor só pode ser observada nas charnecas e falésias do lado norte do cabo.
Uma das circunstâncias que faz destas paragens um lugar especial é o reduzido número de acessos por estrada às baías e falésias marinhas. Entre a praia do Abano, a sul e a da Adraga, a norte, o acesso ao farol é a única forma de aceder de automóvel à orla marítima. A região requer caminhadas para se deixar mostrar. O Parque Natural de Sintra – Cascais propõe a Pequena Rota 7 (PR7), um percurso circular com cerca de dez quilómetros e que tem o ponto de partida junto do posto de turismo do cabo da Roca. Além deste percurso assinalado, há caminhos que percorrem toda a orla marítima, bastante frequentados por praticantes de caminhada e trail running. O percurso da praia do Abano à praia da Adraga tem cerca de 11 quilómetros, com um desnível acumulado superior a 1.000 metros e com algumas passagens com exigência técnica. Não é recomendado a caminhantes inexperientes, mas dá acesso a locais de uma beleza ímpar.
A costa recortada servia de porto de abrigo a corsários que interceptavam as naus carregadas e o fundo do mar guarda ainda muitos segredos. À superfície, porém, há tesouros mais fáceis de localizar: considere-se afortunado se avistar o falcão-peregrino. O animal mais rápido do planeta nidifica nas falésias mais alcantiladas e rasga os céus em perseguição de pombos ou de gaivotas. Ter a oportunidade de assistir a uma cena de caça deste predador exímio coloca-nos de perante o milagre da evolução e com uma perfeição aerodinâmica com que os engenheiros aeroespaciais ainda só podem sonhar.