De planta rectangular, com dois eixos ortogonais, a Sé de Idanha-a-Velha é um mistério de pedra.
Durante quase um milénio, Idanha-a-Velha foi o local mais relevante da Beira Interior. Para encontrá-la, é preciso “ler” as pedras.
Texto: Gonçalo Pereira Rosa
Em época romana, Idanha foi Igaedis e, no período suevo, Egitânia. Desempenhou um papel fundamental na ocupação romana da Península Ibérica. No período suevo e visigótico, foi sede de bispado e funcionou como pólo religioso até à ocupação muçulmana. A sede episcopal só foi transferida para a Guarda em 1199. Uma vez integrada no reino de Portugal, foi entregue primeiro à Ordem dos Templários e, extinta esta, à Ordem de Cristo. A riqueza do seu património arqueológico explica-se pela sobreposição de ocupações.
O seu isolamento, em contrapartida, permitiu preservar vestígios arquitectónicos e materiais de invulgar diversidade.
Os trabalhos arqueológicos do século XX concentraram-se na Catedral, no Lagar de Varas, no Museu Epigráfico e nas ruínas do Paço dos Bispos, fornecendo um caudal volumoso de informação, mas também criando neblina sobre a origem do povoado. A historiografia clássica atribuiu a origem de Idanha-a-Velha aos alvores do cristianismo.
Ao abrigo dessa interpretação ideológica, o local seria um testemunho imemorial da importância do bispado da Egitânia, pelo menos a partir do século V d.C. Trabalhos arqueológicos em curso permitiram recuar a história local e encontrar os mais antigos baptistérios conhecidos em Portugal: uma das piscinas baptismais terá mesmo sido utilizada no século IV, o que a transformou num dos vestígios mais recuados do cristianismo no nosso território.
Também o edifício religioso que define Idanha-a-Velha alimentou controvérsias. Dom Fernando de Almeida não teve dúvidas em ver na Sé um monumento dos primeiros cristãos, mas, no final do século XX, foi proposto que o edifício terá sido, ao invés, uma mesquita, do final do século IX, local de culto de Ibn Marwan, um rebelde contra o poder de Córdova. Na verdade, a Sé é um dos mais enigmáticos monumentos da Alta Idade Média portuguesa. A maior parte do monumento actual corresponde aoregisto quinhentista euma inscrição comoano 1593 valida essa datação. No século XIX, perdeu a função de culto e foi transformada em cemitério. Já nas ruínas do Paço dos Bispos não há certeza sobre a antiguidade das camadas que circundam a Sé. Dom Fernando de Almeida sugeriu que seriam do Paço Episcopal Visigótico, mas o mais certo é serem de simples habitações de época posterior, embora ainda medieval.
Em Outubro de 2018, a descoberta de uma porta na muralha de acesso à cidade, de origem romana, certificou que o debate sobre as origens de Idanha-a-Velha manter-se-á vivo e fascinante. Durante quase um milénio, foi o lugar mais relevante da Beira Interior. Os ecos dessa antiguidade ficaram inscritos na rocha.